CHANZ
CHANZ
Nada havia ao redor. Deserto de casas, de prédios, de
poluição. Cheio, todavia, de um vazio puro: uma paisagem absurda de
tranqüilidade, um sonho real, uma verdade ao alcance de qualquer um. Olhei pra
cada lado e não vi coisa alguma, a não ser um horizonte longínquo, ora azul, ora
cinzento; ora pardo, ora colorido, porém distante. Não havia fim nem nada. Um
templo moderno, talvez construído naquele instante. A estrutura antiga
manifestava um estilo entre Colonial, Gótico, Romano. Invulgar... muito
esquisito, mas calmo. Inspirava‑me concórdia.
-
Chanz!
Assim chamei o templo, sem querer, ao contemplá-lo. Não
sei o que significa, nem se há em alguma língua.
- Chanz!
- C h a n z... a n z... a n z...
Ecoava, caso o chamasse ou o mentalizasse. O que se
dissesse, ou se passasse na mente, ressoava.
Chanz me fez sentir força de contemplação, análise do
mundo, do homem... aí entrei com o passo de urubu malandro. Lá dentro, a beleza
excedeu‑se, me causou estranheza e me fez sentir convicção interior. O meu
conhecimento não foi suficiente pra detalhar; é indescritível o sobrenatural, e
isto só pode ser alguma obra divina.
Mirei tudo curioso e vagarosamente, meneando a cabeça,
parando a cada minúcia. Tinha a forma de ele. Não encontrei imagem alguma, nem
mesmo religiosa. Sem luxo, entretanto belo, limpo e confortante; sem recepção,
porém acolhedor; sem ninguém, no entanto houve diálogo: como, não sei, mas
teve. A cada pensamento, a cada análise, a cada conclusão, sentia me renovar.
Sem mais nem menos, a vontade de voltar. Os pés, no
entanto, não voltaram. Quanto mais tentava retornar, mais me aproximava do
altar do templo. Não havia bem um altar, parecia um trono dos reis hebraicos,
um recanto pra meditação. Não sei como minudenciar...
-
Chanz era o que era!
Dirigi‑me ao trono, mas não alcancei. Vi outros templos
como se fossem imagens infinitas de dois espelhos planos paralelos. De vez em
quando, tentava outra vez alcançar o fim, mas não conseguia me aproximar mais.
Sempre havia mais um. Engraçado, do começo estimava‑se a dimensão de um
auditório comum, no entanto jamais se alcançava. Presumi, enfim, que era pra
parar. Quis me ajoelhar, não pude. Tentei postar as mãos, como quem queria
rezar, não consegui. Quis levar a mão ao peito, também não. Continuei em pé; à
vontade, mas inerte. Relaxei. Aí ressoou:
- Chanz! c h a n z!...a n z...a n z...
O relax deve ter feito eu notar uma imagem de um grupo
de crianças postadas bem na minha frente. De mãos dadas, sorridentes, brincavam
de roda. Envolta numa nuvem de fumaça, de névoa, sei lá, foi substituída a
imagem. Havia, agora, diante de mim, uma exposição, sem ninguém, de armas
nucleares. Nova imagem. Desta vez, um frasco de vidro em labaredas. Tenho
dúvidas se era mesmo de vidro. O formato tinha imagens nítidas, a matéria não.
Até tive vontade de pegar, contudo, não consegui. Eram absolutamente límpidas,
mas intocáveis... e eu permanecia sereno, relaxado.
- Chanz! c h a n z!...a n z...a n z...
Senti‑me subitamente em mim. Tornei rumo à porta que não
houvera encontrado ao entrar. Nem ao menos sei como entrara. Saí. Além passadas,
olhei pra trás e não vi porta nem templo; só o horizonte continuava,
monotonamente azul, unicamente azul, agora com uma interminável fila de gente,
esperando a vez de entrar em Chanz... senti que houvera falado Chanz em voz
alta e não ressoara.
-
Que é Chanz?
Alguém me interpelou, batendo no meu ombro. Acordei
assustado. Encontrava‑me no living, num sofá, molhado de suor, visivelmente
fatigado. Algum tempo depois, rememorei tudo e indaguei a mim mesmo:
simbolizariam as labaredas do frasco a purificação da alma humana?... ou
exprimiriam, como ameaça, o instrumento exterminador do homem?... demonstrariam
as armas nucleares que um dia serão apenas peças de exposição sem platéia, como
testemunhas de celebração da paz?... ou simbolizariam com a exposição, sem
ninguém, o que restará na Terra?... revelaria Chanz o templo interior em que
estas crianças, de mãos dadas, sorridentes, manifestavam‑se como símbolo de
concórdia e de convivência humana?...
-
Chanz! C h a n z!... a n z... a n z...
Ecoou, finalmente, dentro de mim.
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