MEMÓRIA FERROVIÁRIA
Ipu lutou pela preservação da memória ferroviária
As memórias de quem andou de trem ou mesmo acompanhou o ir e vir dos
vagões puxados pelas pesadas locomotivas são cheias de alegria e
saudade. Não é à toa que um grupo de filhos de Ipu, Município localizado
no pé da Serra da Ibiapaba, se uniu para salvar o que de mais
expressivo restou destes tempos: a Estação Ferroviária. Quem nos conta
essa história é Francisco de Assis Martins, conhecido como professor
Melo. Aos 74 anos, ele é professor aposentado de Biologia, memorialista e
o grande responsável pelo resgate da Estação para a Cidade.
"A nossa Estação Ferroviária foi inaugurada em 10 de outubro de 1894,
com a necessidade de o Ipu ser um polo, pois concentrava uma certa
atividade comercial, tendo contato especialmente com a Serra da
Ibiapaba. Foi resolvido, pelo governo provincial, criar essa extensão,
de Camocim a Sobral, por Cariré e Reriutaba. A Ferrovia trouxe muitos
benefícios para Ipu, principalmente para a atividade socioeconômica. O
comércio passou a se desenvolver por comprar mais na nossa metrópole,
que era Sobral. Em contrapartida, nós recebíamos da Serra da Ibiapaba os
produtos agrícolas, como frutas, cana-de-açúcar, rapadura, farinha de
mandioca. A ferrovia proporcionou uma economia efervescente à época",
relata.
Ele conta que a primeira maria-fumaça a percorrer os trilhos foi a
Viriato de Medeiros, em fase experimental, apenas com três vagões.
Depois foi inaugurada oficialmente com outra maria-fumaça, a Rocha Dias,
com 13 veículos, com muita festividade.
"A chegada do trem de passageiros era uma alegria, um momento até de
lazer. Quando tocava, significava que o trem estava vindo de Pires
Ferreira ou de Abílio Martins, que eram as duas estações mais próximas.
Demorava de 25 a 30 minutos para chegar aqui. Quando escutavam o sino da
Estação, todos corriam para receber correspondência, ver os amigos, os
namorados. Era um point, principalmente aos domingos, a chegada e a
partida do trem, a alegria e a saudade. Até os comerciantes fechavam as
suas lojas pra ir até a estação, receber e mandar mercadorias", detalha.
Impecável
"Tivemos uma fase muito difícil. A estação estava caindo aos pedaços.
Os desocupados já tinham arrancado as portas, o local servia à
prostituição e ao uso de drogas. Eu já estava aposentado há um tempo e
tive a ideia de formar uma associação dos filhos de Ipu. Promovi um
encontro na festa do padroeiro, São Sebastião, em janeiro, e fiz sentir
que era necessário que os filhos da terra tomassem conhecimento do que
estava acontecendo com o patrimônio público da cidade. Daí foi criada a
Associação de Filhos e Amigos do Ipu (Afai) e eu fui o primeiro
presidente", relata.
Eles, então, souberam que a Estação, à época, já estava vendida a um
empresário de Crateús, que tinha a intenção de instalar uma oficina e
uma revenda de motos no prédio, de estilo neoclássico inglês.
Inconformado, o professor Melo convocou alguns amigos integrantes da
Afai e juntos pediram à prefeita a desapropriação da Estação. Ela
argumentou que era muito difícil. Mas uma assessora disse que um
abaixo-assinado com mil assinaturas poderia ajudar. "Nós conseguimos
7.572 assinaturas", orgulha-se. O passo seguinte foi arranjar recursos
para recuperação. A prefeita conseguiu 500 mil reais da verba
parlamentar do deputado Sérgio Aguiar. Com o então deputado Gomes
Farias, adicionaram mais 500 mil reais. Foram ao Iphan, pediram um
projeto de restauração. O projeto foi feito. "Como 1 milhão de reais não
deu, com o deputado Sávio Pontes, mais 500 mil reais foram acrescidos
ao orçamento. E assim foi feita a restauração".
No dia 24 de agosto de 2010, a Estação foi reinaugurada. Lá hoje
funcionam Biblioteca, Centro de Informática e Minimuseu dos instrumentos
antigos da Banda de Música do Ipu, além da sede da Afai. "Existe um
antigo armazém, que será ocupado com uma exposição de fotografias
antigas do Ipu e outras coisas, como o nosso artesanato de barro, que é
muito lindo", declara o incansável professor Melo.
A propósito, ele conta que, um dia, passando por lá, viu a pintura um
pouco desgastada: "Como tenho muita afinidade com o prefeito, falei com
ele assim: 'você prestou atenção na pintura da Estação que está se
estragando?' Ele olhou pra mim e disse: 'você não tem jeito, né?'. Eu
pedi que ele restaurasse e ele mandou retocar".
"A nossa estação é um marco extraordinário, que deixa muita saudade dos
nossos trens, quando iam e voltavam. Passei 14 anos estudando em
Fortaleza. Quando chegava o dia de vir para cá, era uma alegria. Em
Pires Ferreira, o coração ficava acelerado. Tinha pouquíssimo tempo
aqui. Saía 4h da manhã e chegava 5h da tarde. 13 horas de viagem. No
'Sonho Azul', com ar-condicionado, restaurante, onde a gente conversava,
tomava uma cerveja. Ficava enrolando. Mas botavam para fora. Na chegada
estava todo mundo esperando", recorda. Fonte:IN.
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