METAFORISMO SINGULAR




Apreciação literária (sob o prisma da Filosofia e da Ciência)

METAFORISMO SINGULAR

Vianney Mesquita*

A falsa ciência cria os ateus, ao passo que a verdadeira faz o homem se prostrar perante a divindade. (Francois-Marie Arouet, dito Voltaire. *-+ Paris, 21.11.1684; 30.05.1778).

À Filosofia cabe aniquilar a quimera, ordenando as ideias.(Arthur Scopenhauer.*Gdánsk-Polônia, 22.02.1788; Frankfurt do Meno -Alemanha, 21.09.1860).


Experimentamos o lance de proceder, neste curto ensaio, a um exame, conquanto epidérmico, do livro intitulado O ELEFANTE E OS CEGOS, da autoria de alunos do Programa de Mestrado em Educação, da Universidade Federal do Ceará, organizado pelos professores doutores Rui Verlaine Oliveira Moreira e José Anchieta Esmeraldo Barreto (autores principais), publicado como parte da coleção Escritos de Filosofia da Ciência, Departamento de Fundamentos da Educação (FACED/Casa de José de Alencar – UFC).
Decerto, quase nada aproveita a produção intelectual se esta não circular, socializando ideias para constituir opinião, corroborar pressupostos, confirmar enredos, enfim, comprometer a alvura do cisne e assujeitar o negrume do corvo, pigmentando-a de tons escuros e pintando-o de branco.
É este o fado de qualquer esforço de espírito: comunicar intenções que pretendemos fazer valer pela solidez argumentativa, firmeza lógica e novidade temática.
A obra não viajada – edição paradoxalmente inédita – evidentemente, não passa de um monólogo, de uma intracomunicação muita vez inconsequente e, nalgumas ocasiões, lesiva ao patrimônio reflexivo do seu autor.
O produtor de uma peça de qualquer das artes (nomeadamente Literatura) que a não torna um bem comunitário é suscetivo de permanecer no engodo autorraciocinativo, porquanto falto de juízos alheios que discutam suas ideias, acrescendo-as de dados, concertando desordens conceituais, sempre no mister de reparar enganos e contestar alegações falazes.
Daí por que algumas pessoas, excessivamente escrupulosas, costumam legitimar seu silêncio editorial remetendo-se a Immanuel Kant (Könisberg, 1724-1804), na lenta expectação de que sejam suas compreensões depuradas até a perfeição, indenes de erros.


BOX
[...] um apalpou a tromba, um, uma pata, outro o lombo, cadeirinha para um dos cegos poder apalpar a orelha; içaram um outro ao lombo do animal. Encantados, voltaram para a aldeia [...] o primeiro disse: é um tubo que se levanta com força e se agita; se o pegar, coitado de você! O segundo declarou: é uma coluna coberta de pelos.  O terceiro afirmou: é um muro, como o de uma fortaleza, e também coberto de pelos. O quarto, que apalpara a orelha, protestou: não se parece absolutamente com um muro! É um tapete de lã, de trama grossa, que mexe quando a gente toca nele! Enfim, o último gritou: que estão contando aí? É uma imensa montanha que se desloca. (In: KAZANTZAKIS, Nikos. O Cristo recrucificado, Rio de Janeiro, Abril Cultural-Nova Fronteira, 1971).
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            O fato é que o início da trilogia criticista de Kant, quando o Filósofo tudesco traçou os limites em que se deve exercer a razão especulativa do homem, incapaz de chegar diretamente às verdades metafísicas, se deu publicamente só em 1781, ocasião em que o Autor da Crítica da razão pura contabilizava 57 anos.
            Já a Crítica da razão prática, na qual encontrou, sob a modalidade de postulados, as verdades transcendentes, a que a pura razão se não pode elevar, apareceu apenas sete anos depois, em 1788.
Em remate ao seu criticismo, Kant – maduro e perfeito, dirão os ciosos e inéditos autores – mandou a lume seu tratado acerca do belo e do sublime, em Crítica do julgamento, no ano de 1790.
São essas pessoas, no mínimo, presunçosas em relação, pelo menos, a dois aspectos: elevarem-se a Kant e pretenderem escoimar de erros seus escritos.
Você não é Kant! – disse uma vez o Prof. Dr. Anchieta Barreto, nas suas preleções de Teoria e Método das Ciências (UFC), a um orientando seu que não se achava pronto para publicar, aferrando-se à evasiva kantiana.
Esse mesmo ponto de vista foi esposado por Luís José João Wittgenstein (*-+ Viena, 26.04.1889; 29.04.1951), junto a quem Bertrando Artur Guilherme Russel (*Ravenscroft, País de Gales, 18.05.1872; + Penrhydeudraeth, 02.02.1970) insistia, constantemente, para que publicasse, de imediato, as ideias desse Linguista do Osterreich, mesmo imperfeitas, embora sem haver este resolvido todos os problemas da Filosofia, fato impossível de acontecer.
No respeitante ao erro, remetemos o leitor ao segundo volume da série Escritos de Filosofia da Ciência, intitulado Imaginando erros, organizado por Barreto & Moreira (Casa de José de Alencar - UFC, 1998), em cujo primeiro capítulo os autores se demoram na evidência de que o erro tem comparência normal na imaginação e nele incorrem muitos autores de renomeada. É por tal razão, decerto, que Rabindranath Tagore, em sentença célebre e de senhorio público, pede para não se fechar a porta a todos os erros, pois há o risco de a verdade ficar de fora.
Há, pois, incontáveis exemplos de menções, hoje insertos no campo da hilaridade.
Os helenos, exempli gratia, criam ser a Terra uma enorme tartaruga sustida por quatro imensos elefantes brancos (aliás, por que brancos?)
Fartamente são expressas na literatura ideias de tal marca, como, por exemplo, em Edward McNall Burns (1970) e Pedro Dalle Nogare (1977), entre tantas e quantas obras de referência, multiplicadas pro rata tempore, na transferência dos haveres da História à Humanidade que remanesce (MESQUITA, 1989).
Pinçamos esta de Heráclito de Éfeso, ao exprimir o juízo, consoante o qual Este mundo, igual para todos, não foi feito nem pelos homens nem pelos deuses, porém, constantemente, foi eterno fogo, com unidades que se acendem e outras que se apagam.
Na intelecção do Pai da Dialética (*-+ Éfeso, 535 a.C; 475 a.C), como todas as coisas se originam do fogo, tudo volta às chamas, de duas maneiras: para baixo – fogo, ar, água e terra; e para cima – terra, ar, água e fogo.
Mais cerca de nosso tempo, quem nos ensina é o Pai do novo racionalismo: O sangue se transforma em fluidos mais sutis por ebulições e fermentação no interior do cérebro. (Apud LENTIN, 1996).
Há, porventura, desconchavo maior do que esta “lição” de Renatus Cartesius, o conhecido proponente do silogismo aristotélico-cartesiano – Cogito, ergo sum? (Descartes - * La Haye en Touraine, 31.03.1596; +Estocolmo, 11.02.1650).
A certeza do erro radica no que teria dito Marco Túlio Cícero: Nada há de absurdo que não se possa encontrar nos livros dos filósofos.
E o que se dizer, também, daquilo produzido na academia, no mundo inteiro? – Erros e mais erros. Deslizes de fundo, desacertos de forma, paradoxos, inadvertências, ilusões, falácias...
A remissão à idade de Immanuel Kant, felizmente, deixou de ser praticada pelos estudantes e docentes da disciplina Teoria e Método das Ciências (Mestrado em Educação – UFC), haja vista o fato de O Elefante e os Cegos constituir a terceira seleta de estudos empreendidos pelos alunos do precitado Programa de elevados estudos.
 Neste, pois, é dissecado o pensamento de celebrados autores, caminheiros da trilha da Ciência e da Filosofia, ao legitimar motivos, arrazoar ideias e – principalmente – laborar em erros.
Norteados pelas indicações dos dois academicamente aprimorados docentes, Anchieta Barreto e Rui Verlaine, dez mestrandos cuidam, com esmero didático, de explicar o ideário de Martin Heidegger, Hans-Georg Gadamer, Maurice Merleau-Ponty, Paul Ricouer e Jürgen Habermas.
 Os autores produzem e reciclam material, refletido e comentado em linguagem direta, correta e compreensível, por parte de um bem aprestado leitor sob o prisma da capacidade de decodificar, de sorte a nobilitar, qualitativa e quantitativamente, a bibliografia de Língua Portuguesa nesse ramo basilar do conhecimento, configurado na Filosofia da Ciência.
Na reflexão do renomeado polígrafo brasileiro, Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues (UFC), ao comentar acerca de outro livro dos dois (A Decisão de Saturno), em alocução a vestir como luva o teor da obra sob nosso comentário,

[...] O campo continua sendo a Teoria do Conhecimento, tendo os autores combinado clareza e profundidade; simplicidade e erudição; concisão e detalhes; rigor e leveza. É um livro que coloca o leitor em contato íntimo com os clássicos mais expressivos da epistemologia, fazendo-o de modo que o leitor se sente como se conversasse com os monstros da Filosofia da Ciência e tivesse deles toda a atenção e todas as explicações desejadas. (2000; abas).

 O Brasil culto e estudioso louva, por conseguinte, a iniciativa de editar outro compêndio da série Filosofia da Ciência, na oportunidade do lançamento de O Elefante e os cegos, rubrica-símile alusiva à história lendária constante no livro O Cristo recrucificado, de Nikos Kazantzakis, e na qual os autores-organizadores intentam fazer ver a todos o pouco conhecido e o muito ignorado.
Cumprimentos, pois, se dirijam aos deficientes visuais, humildes como o grande Jornalista do Distrito de Évora, ao se dizer... apenas um pobre homem de Póvoa do Varzim; feito o Criador da Maiêutica, para quem ... Só sei que nada sei; e, por fim, ao modo de se definir o Criador do Mundo Três Popperiano: [...] somos todos iguais na nossa imensurável ignorância.
Publicam, pois, esta seleção de excelentes ensaios – com os organizadores, autores de capítulos e coautores das demais partes da obra – oriundos das penas eletrônicas seguras de Germano Magalhães Jr., Antônio José Esmeraldo, Carmesina Ribeiro Gurgel, Juceli Lima de Sousa, Lara Ronise de Negreiros Scipião, Manoel Sampaio da Silva, Mariazinha Pinto da Frota, Rosélia Costa de Castro Machado e Telga Persivo Pontes de Andrade.
Com a ida a lume de seus artigos científicos, os autores – [...] cegos convencidos de que saber e ignorância são vizinhos – ficam enxergando um pouco melhor, na condição de, até de mais longe, divisar um elefante, pois adentraram os domínios do Mundo 3, de Carlos Raimundo Popper.

REFERÊNCIAS

BARRETO, J. Anchieta E.; MOREIRA, Rui Verlaine Oliveira. O Elefante e os Cegos. Fortaleza: Casa de José de Alencar-UFC, 1999.
BARRETO, J. Anchieta E. ; MOREIRA, Rui Verlaine Oliveira. Imaginando Erros – escritos de Filosofia da Ciência. Fortaleza: Casa de José de Alencar-UFC, 1997.
BURNS, Edward McNall. História da Civilização Ocidental. O drama da raça humana. 2. ed. Porto Alegre: Globo, 1970.
KAZANTZAKIS, Nikos. O Cristo Recrucificado. Rio de Janeiro: Abril Cultural-Nova Fronteira, 1971.
LENTIN, Jean-Pierre. Penso, logo me Engano. São Paulo: Ática, 1996.
MARTINHO RODRIGUES, Rui. Abas. In: BARRETO, J. Anchieta. E.; MOREIRA, Rui Verlaine Oliveira.  A Decisão de Saturno. Fortaleza: Casa de José de Alencar – UFC, 2000.
MESQUITA, Vianney. Impressões – estudos de Literatura e Comunicação. Fortaleza: Agora, 1989.
NOGARE, Pedro Dalle.  Humanismos e Anti-Humanismos: introdução à Antropologia Filosófica. Petrópolis: Vozes, 1977.




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